sábado, 27 de setembro de 2008

INCOMODAR... SATISFAZER...


Neste mais de um ano de blog nunca recebi uma manifestação contrária ao conteúdo do mesmo. Nunca! Abertamente falando não. Claro, tem gente que não gosta, torce o nariz, coisa e tal, no início acharam que não iria acontecer nada, era só fogo de palha meu e que nada mais que duas ou três postagens iriam ser colocadas no Película Negra.
Mas como parece que tem a primeira vez para tudo neste mundo, eis que esta semana surgiu nos comentários a seguinte postagem no texto Meu Deus Existem Gay Negros 2...

Anônimo disse...
VOCÊS MACACOS NÃO APRENDEM NUNCA! JAMAIS IRÃO SER IGUAIS AOS BRANCOS, POIS VCS SÓ SABEM DESTRUIR E SE PROCRIAR! SENZALA PARA MACACO JÁ COTAS PARA MACACOS NAS PRISÕES!
25 de Setembro de 2008 01:०३


Covardia por um lado e coragem do outro! Covardia por não colocar o nome, é obvio! Mas para muitos racistas guardados no armário (coisas do nosso Brasil... rsrsrs) um se manifestou! Pode também ser encarado como uma brincadeira sem graça... Mas eu não encaro. Mudei a configuração do blog, infelizmente... Agora modero quem entra e quem sai! Para que este veículo continue... Satisfazendo... Ou incomodando...

sábado, 23 de agosto de 2008

Noah's Arc por Patrik-Ian Polk


Falar sobre negritude homossexual (ou seria homossexualidade negra?!) na mídia é ao mesmo tempo fomentar o debate sobre invisibilidade. As formas de opressão a estes sujeitos gays negros ficam implícitas, pois o mundo gay construído é arraigado em padrões heteronormativos brancos. Não digo que não exista gays negros na mídia, eles existem e o outro post prova isto, mas o processo de aparecimento/desaparecimento é distinto perante ao mundo gay branco que tem mais ênfase dentro da mídia.
Por exemplo: Assistir Queer as Folk a procura de uma representação negra dentro da série é um bom exercício à paciência! O seriado (que já acabou faz algum tempo, mas ainda é referência no mundo inteiro) tem seus atrativos, um bom roteiro, bons atores, ótimos diálogos, cenas realistas que flertam com o fantástico jogado vez por outra em alguns episódios. Também tem a seu favor a quebra da “narrativa da revelação” que aprisionava muitos filmes/séries que passavam pela temática gay de alguma forma. Trata-se do processo de saída do armário e de como este gay enfrenta este estágio da vida. De regra, com a temática, vem o dramalhão, construindo as relações homossexuais a partir do sofrimento da descoberta sobre si mesmo. Queer também tem seu personagem que sai do armário, mas seu principal foco é de uma sexualidade homossexual bem resolvida e não que ainda é construída com vergonha e receio.

Mas mesmo fugindo da premissa da revelação o seriado acaba entregando ao seu público alvo uma nova normatividade. Ao apresentar a comunidade gay a partir de um só esquema (o branco!) exclui outras formas de percepção e identidades. Não existe homossexualidade e sim homossexualidade(s). O travesti, a lésbica, o gay, a trans, as drag queens ou kings, andrógenos, efeminados, durinhos, com suas raças diferentes, tem de tudo neste mundo. E estes sujeitos, apesar de diferentes, por conta de todo preconceito arraigado na sociedade vivem às vezes nos mesmos espaços em uma sociabilidade comum.
Queer as folk cumpre o seu papel, de transgredir, mas estaciona... Mas como parece efeito da "branquidade" somente se enxergar e não ao outro, isso é quase uma normalidade... Tanto que para compor uma outra parcela da população gay (masculina) foi criada a curta (somente duas temporadas!) Noah's Arc, com gays negros. Noa também não escapa de alguns defeitos vistos em Queer... os mundos são separados. Brancos de um lado e negros do outro. Sim, sabemos que estamos falando dos EUA, mas as relações racistas entre brancos e negros gays se dão em um aspecto um pouco diferente dos heterossexuais. O aspecto sexual e o fetiche ganham contornos únicos no mundo gay e estas relações são postas nas séries, mas não são problematizadas a fundo. Brancos e negros, mesmo dentro de uma sociedade racista, se relacionam. Além disso, a comunidade gay é vista com um novo modelo a ser seguido: um padrão homossexual!

Um outro ponto, trazido desta vez por um amigo meu, é o fato das series darem ao espectador a ilusão de que está tudo quase 100% para os gays de todo mundo. Sabemos o quanto à mídia pode ser universalizada e não necessariamente todo espectador sabe que aquilo dali é exclusivamente fantasia ou somente acontece naquele lugar onde se passa a história. Os gays de Queer e de Noa se beijam na rua e as pessoas ao redor não dizem nada! Não fazem nada na maioria das vezes! Nos EUA em alguns lugares dá para fazer isso! Mas e o que acontece aqui no Brasil?... Óbvio que aqui não dá nem pro gasto! E ai vem à ducha de água fria. Aquilo somente acontece lá e não aqui! Claro que tem gente que enfrenta, que está de saco cheio para a homofobia e “dá de frente com ela!”, mas ainda não vivemos em um mundo igual a séries americanas que contam historias sobre o mundo gay masculino formulado a partir de conceitos estadunidenses.
As identidades homossexuais são múltiplas! A comunidade é diferente, sofre e se alegra de maneira distinta, mas vive na maioria das vezes nos mesmos ambientes, pois a homofobia acaba colocando estes sujeitos em espaços cada vez mais restritos da sociedade “comum”, já que para a heteronormatividade a homossexualidade é única, sabendo da existência de sujeitos diferentes, mas não os reconhecendo!
Padrões homossexuais, padrões heterossexuais... Somente personagens brancos, somente negros... A mídia está cheia deles, ela precisa ser dirigida e dirigir através desses padrões para maior controle do público. Já que um público igual, com as mesmas idéias é bem mais fácil satisfazer que um múltiplo, cheio de exigências diferentes e consumo exclusivos. Estabelecidos os padrões, os que fazem à fantasia estão tranquilos... Não haveria contraste, nem confrontos. Ou seriam os feitores da ilusão?


quarta-feira, 2 de julho de 2008

Yesterday" é o primeiro filme rodado totalmente em zulu, umidioma que deu mais que problemas para o diretor, Darrell Roodt।"A gente está habituado a rodar filmes na África do Sul por suasbelas paisagens, mas ninguém queria fazer algo em zulu", reconhece odiretor, que teve a ajuda da Fundação Nelson Mandela."Yesterday" é o nome da protagonista do filme, uma mulheraidética que começa uma longa marcha a pé pelo país, acompanhada desua filha e em busca de tratamento para a sua doença. "Nunca quis fazer um documentário sobre a aids, mas um filmesobre os zulus", resumiu o diretor.

quarta-feira, 25 de junho de 2008

“Novas” Identidades Negras e a “Nova” Mídia!...

Antropólogos, sociólogos, psicólogos, historiadores, educadores, membros de movimentos sociais, enfim uma gama de profissionais já escreveram, comentaram, trabalharam, debateram, provocaram sobre o papel do negro na mídia brasileira e também nos produtos estrangeiros que volta e meia aportam em nossas televisões e salas de cinema. A constatação de muitos deles é a de que o negro é quase que um ser invisível. Quando seu corpo aparece na tela ele configura-se como um objeto, não há vida nele a não ser pela total dependência subserviente deste com outros personagens, geralmente brancos.
Filmes infalíveis discutiram isto: A Negação do Brasil, documentário já clássico do cineasta brasileiro Joel Zito e A Hora do Show de Spike Lee são grandes exemplos. Recentemente até um musical passou ligeiramente sobre esta temática, trata-se de Dreamgirls, ao mesmo tempo em que constrói a historia da musica negra norte americana e conta a vida e os percalços das integrantes do trio fictício, mostra como os produtos negros são reconfigurados no mundo branco de forma oportunista.
Mas o negro que antes era invisível agora se tornou manchete! Está em muitos lugares, ocupando o centro das atenções. Há séries com negros (norte-americanas é verdade!) ocupando quase toda a programação da tarde de determinados canais. Personagens negros ricos, com importância na trama nas novelas. Racismo debatido na tv brasileira. E quando o intervalo comercial começa vemos negros com o sorriso largo anunciando o mais novo produto.

O que mudou mesmo é que deixamos de ser invisíveis para sermos reconhecidos como minoria. Quando o negro é discutido na televisão brasileira, é posto da forma estadunidense de ser; então somos tratados da forma estadunidense de ver as coisas. Mesmo sendo maioria da população, somos tratados em quase todos os veículos da mídia como minoria. Ao mesmo tempo em que a mestiçagem é evidenciada como a característica mor dos brasileiros, casais inter-raciais são mostrados com um chamariz absurdo, como algo tradicionalmente tabu em nossa sociedade. O racismo é interpretado de maneira violenta, universal, não mostrando suas características brasileiras impares, que este pode sim revelar-se sutilmente e violentar os sujeitos negros aos poucos.
Foram postos os vilões de um lado e os mocinhos do outro! A mídia que coloca os negros na parede, quando não os enforca de vez... E os movimentos negros que queriam representações dignas da afro-brasilidade.
Estes movimentos conquistaram muita coisa. Foram responsáveis pelas várias transformações que a tv brasileira passou nestes últimos anos. Personagens, histórias e culturas, foram introduzidas por conta da luta destes vários movimentos negros... Mas agora o movimento está tomando forma em um outro corpo. A própria mídia que antes era acusada, agora formula suas próprias visões do mundo negro.
Então não queriam personagens negros com desenvolvimento na mídia?! Tome a primeira protagonista negra nas novelas da Globo, Tais Araújo em A Cor do Pecado, que se fosse feita por uma atriz branca não faria muita diferença... Ou o primeiro e único apresentador afro-brasileiro do Brasil a ser visto por muitos em horário nobre no Domingo, Netinho de Paula dando uma de Oprah Winfrey de calças no Domingo da Gente... Aliás, cadê ele eim?!!!... Quem sabe Lázaro Ramos fazendo papel de idiota na novela das sete? (Foguinho – nome do personagem do ator na novela Cobras & Lagartos – virou apelido de alguns meninos negros que são tidos como palhaços aqui na Bahia!) Tem mais, uma família negra nas novelas da Record (sim, a dos mutantes!!!) que se dissolve lentamente – o filho gay que muda-se para o estrangeiro, o outro filho vivido por Tony Garrido que casa-se e vai embora... Ou em A Favorita uma família negra (a única) podre de rica, estúpida, alto suficiente, maléfica e que briga entre si pra ver quem possui mais ego frustrado! Também na antiga novela no SBT, Amigas e Rivais um personagem negro que não me lembro nome agora (ele não tinha importância mesmo...), vivia o já batido conflito de namorar uma garota branca... Ele é pobre, é negro, mas e daí?! O importante é o amor... Em Duas Caras, que ainda está na memória do espectador brasileiro, havia uma quantidade grande de personagens negros, envoltos em todo tipo de alquimia televisiva. Todo branco queria namorar um negro e todos empunhavam o discurso do “preconceito, coisa feia!...”, quando não ressaltava a mestiçagem como fator nato no Brasil.
Tudo feito de cima para baixo. E não se pode mais reclamar, pois a mudança esta sendo feita e ainda pelo próprio órgão que desprezava o sujeito negro. A mídia assume o poder e o espectador pensa que esta sendo representado e que seus problemas estão sendo mostrados na televisão. No final, todo mundo aplaude a atração que incluiu a minoria. E os papeis sociais estão sendo feitos e o racismo no Brasil é combatido. Do jeito deles, para o bem deles mesmos...

segunda-feira, 16 de junho de 2008

O MUNDO DO OBSCENO...

Existem duas coisas neste mundo que dão dinheiro a rodo, conseguindo público consumidor sempre fiel e sem enfrentar crises financeiras terríveis: DEUS E SEXO! São dois assuntos completamente diferentes – ou encarados como diferente pela nossa sociedade – mas que independente da época, da crise econômica e dos problemas que cada sociedade enfrenta, faz fortuna e deixa muita gente nadando no dinheiro. Mesmo sendo antagônicos, os dois assuntos provocam homens e mulheres em todo mundo. Como as duas temáticas tratadas em um post só dariam um trabalho danado, além de ser extremamente complicado falar de Deus e sexo sem despertar a ira dos fanáticos de plantão, vamos falar e concentrar nossas idéias – desta vez – no mundo do obsceno.
Falar de filmes pornôs, hoje parece algo normal. A indústria cinematográfica pornô passou por várias reformulações. A primeira, de pequenas produções extremamente proibidas a filmes feitos em 35mm, projetadas em grandes cinemas alcançando sucesso mundial. Logo depois veio a popularização dos filmes com a chegada do vídeo cassete que afastou um pouco o espectador do cinema e o colocou em casa, vendo o seu “filme de sexo” com o conforto e o sigilo do seu lar. Com a década de 90 a indústria de cinema pornô conheceu o dvd, a web e as TVs a cabo como grandes veículos divulgadores de suas produções, conservando ainda mais a identidade de seus consumidores.
O mundo pornô hoje não é mais tão longínquo como há décadas atrás. É possível em qualquer esquina de uma cidade comprar filmes de artistas consagrados no meio como Vivi Fernadez, Julio Vidal, Toni Tigrão, Pablo Picasso, Pámela But (os nomes são os mais criativos possiveis!!!) em camelôs que dividem os filmes de sexo explicito com os mais novos lançamentos Disney. Tornou-se mais acessível, mas não liberal. Vemos a ascensão de artistas “quebrados” no meio tradicional, como Rita Cadilac e Alexandre Frota, conseguindo fama e dinheiro no submundo pornô, sendo motivo de calorosas conversas em rodas de jovens e também senhoras recatadas, calorosas e concorridas festas de lançamentos de superproduções pornográficas sendo feitas em todo país, mas este universo ainda não deixou de estar envolto em uma redoma proibida.
E o que seria dos filmes pornôs e de todos os seus profissionais se este não estivesse diretamente ligados ao proibido? Nada! O pornô está inteiramente ligado ao tabu. Ele serve como um revelador de algo que acontece debaixo de nossos narizes, mas em que momento nenhum deve ser revelado a luz do dia, como normalidade. Ao esquema do pornô estão às fantasias, os fetiches mais bizarros, as sexualidades (homo e por que não dizer hetero também!!!) enrustidas, o prazer em instituições aparentemente acima de qualquer suspeita – lê-se Exército e Igreja – ao adultério, ao incesto, a traição, enfim ao vasto mundo do proibido.
E este proibido submundo precisa de atores e personagens para sobreviver. Precisa de fantasias, de criar estereotipos, modelos para compor suas histórias. O filão é grande... A empregada fogosa e seu patrão, o policial violento, a enfermeira, o escravo do prazer, o amante, a lolita, o soldado, o ídolo, o pedreiro, a prostituta, a esposa traidora etc. Mas nenhum outro arquétipo pornográfico faz tanto sucesso quanto o ser negro...
Não é novidade para ninguém os estereotipos edificados pela dramaturgia tradicional como o buck, a mamie, o pai Tomás, a mulata perniciosa, alguns importados, outros construídos aqui mesmo em nossa terra. Mas o mundo pornográfico constrói seus próprios paradigmas, suas próprias fantasias. E o ser negro (homem ou mulher) ganham destaque em suas produções.
O estereotipo do homem negro de pau grande e da mulata com alma de prostituta são recorrentes em produções pornográficas gays e heterossexuais. Ao contrário do homem branco que precisa arquitetar um outro universo para sair do habitual, o corpo negro é um fetiche a parte, ele pertence à camada do proibido. Um homem negro, com pênis excessivamente grande, alto, geralmente com cabelos raspados, em uma noite escura é motivo de grandes fantasias na pornografia. A ele são ligados outros modelos pornográficos como, o escravo forte reprodutor, o empregado submisso, o homem perigoso, estuprador. Ao ser negro é unido quase sempre um papel submisso que vai ser convertido em poder sexual, o único que – dentro das temáticas e fantasias pornôs – o ele pode ter.
É curioso comentar também que no mundo pornô suas produções estão ligadas a temática racial. A branquitude é ligada à normalidade (nada de muito surpreendente!!!), mas a negritude é ligada ao patamar exótico, sendo anunciados filmes “Somente com negros”, “Filmes inter-raciais”, “Japoneses com Negros” e outras combinações... O mundo pornô não faz questão de esconder sua visão excêntrica do corpo negro, pois vive de aguçar fantasias e papeis eróticos.
Para a pornografia o ser negro pode ser considerado como objeto perfeito. Apesar de para ser ator pornô o pênis do candidato possuir proporções anormais, o ator negro sempre vai ser considerado dentro de possibilidades ainda mais extravagantes. O ator então nada mais é que um pau grande e ereto, não tem uma função mais aguçada que a de ser um objeto. Também nos filmes pornôs a monogamia é instintivamente combatida, portanto, a traição efetivada com um homem negro é sempre mais completa... Há também a possibilidade de viver duplas aventuras com um só corpo: negro policial, negro empregado, negro escravo. As figuras sexuais são sempre ressaltadas junto ao copo negro e as falas dos atores são sempre evidenciadas colocando o copo escuro em favorecimento.
O corpo negro exibe em nossa sociedade uma construção de fetiche. Ligado a relações fortuitas, nada de muito serio, já que é perfeito somente para o prazer pelo prazer! A idéia de homem negro-maquina sexual tão estudada por historiadores, sexólogos, antropólogos etc. ganha novo significado no mundo pornográfico. Seus cortes, closes, cenários, figurinos somente contribuem para que o estereotipo continue. Para o pornô o negro está como uma carta na manga, tirada de surpresa para fazer a alegria de todos... de todas as fantasias do mundo branco e seus prazeres proibidos...

terça-feira, 10 de junho de 2008

Novo filme spike lee

O novo filme do cineasta Spike Lee, Miracle at St. Anna, já esta sendo produzido e ja começa a divulgar imagens. Abaixo o pôster, tímido, é verdade, do seu primeiro filme de guerra. filme se baseia no romance homônimo, de Walter McBride, que trata de quatro soldados negros dos EUA que lutam em território italiano, nas montanhas da Toscana, contra o exército nazista. Enquanto estavam presos em uma vila, os quatro, integrantes da 92a. divisão, precisaram lidar não só com o inimigo como também com a incompetência e o racismo dos aliados. É torcer para que este seja mais um bom filme da carreira de um dos diretores mais contundentes de Hollywood.

domingo, 30 de março de 2008

A Cor Purpura: Percepções sobre Celie.

Falar de A Cor Púrpura em um blog destinado a cinema negro é quase um clichê! O filme, dirigido por Steven Spielberg, baseado no livro de Alice Walker, vencedora do premio Pulitzer e que marca a estréia de Whoopi Goldberg nos cinemas é um marco do cinema negro norte-americano. Trata-se de um filme que pouquíssimas pessoas no mundo não gostam. A maioria entrega-se por inteiro a historia de uma mulher violentada pela vida que escreve desabafos a Deus para diminuir o sofrimento do seu dia a dia. A personagem Celie, interpretada no cinema com maestria por Whoopi, é de um impacto estrondoso. E é incrível como, mesmo não tendo experimentado todo o contexto do seus sofrimentos e pequenas alegrias, o espectador imediatamente se vê na pele da personagem.
Não considero A Cor Púrpura um texto universal. Alice Walker tem uma visão muito particular do mundo que constrói. É um livro feito para mulheres, isso sem duvida. A cada linha, a cada personagem que surge, a historia vai se desenvolvendo inteiramente com uma perspectiva feminina. Alice Walker deixa claro que o mundo dominado por meninos e homens chegou ao fim e que uma historia sobre mulheres vai ser contada. E a mulher que Alice fala é negra. Celie é negra e fala sobre o mundo que vive com seu olhar negro. Ela retrata o mundo sulista dos EUA de forma realista e como o mundo negro se comporta de forma diferente mesmo sem o contato com os brancos que estão afastados deste contexto.
O filme e o livro são instrumentos completamente diferentes. Sei que estou sendo obvio, afinal de contas são textos diferentes. O filme de Steven Spielberg é uma outra coisa. Não pior, ou melhor. Diferente! A Cor Púrpura – o livro – é escrito na forma de cartas entre Celie e Deus / Celie e Nettie – sua irmã que está na África e Nettie e Celie. A própria Alice evidenciou várias vezes que demorou a se acostumar com o outro produto que se tornou a adaptação de seu filme. Depois de inúmeros roteiros feitos a versão que chegou aos cinemas escapava da narrativa não linear de Walker e passava a ser uma historia com “inicio – meio – fim” nas mãos do roteirista Menno Meyjes – que iria mais tarde participar de outros filmes de Spielberg, como Império do Sol e Indiana Jones e a Ultima Cruzada.
As Celies também são diferentes. No livro a personagem que toma vida a cada página é muito mais submissa em um certo ponto, esperançosa com a vida e tem em Deus sue refugio, sua luz. No romance, Celie também tem contatos homossexuais e é através dele que se da uma das fases de sua libertação – cena que no filme teve que ser cortada após inúmeros debates entre os responsáveis se haveria ou não possibilidade de colocar ou não a cena na película. A opção foi adaptar o contexto da cena, usar uma metáfora – também a Celie no livro conhece através das cartas de sua irmã Nettie o continente africano, suas historias, seu povo, sua religião, sua natureza, os confrontos entre negros e brancos, sua alegria e principalmente seu colorido. Pela descrição de Alice não há como imaginar o mundo de Nettie com simples tons de cores... Tudo é infinitamente colorido e grandioso.
A celie do filme é um pouco limitada, mas oferece percepções que a do livro não tem. Apesar do texto de Alice abraçar a musica como forma narrativa, é pelo filme que esta característica do povo negro é muito mais presente. A musica de Quincy Jones, também produtor do filme traduz o mundo de Alice Walker precisamente. É bom frisar o trabalho de Quincy neste filme. Depois de uma carreira consolidada como musico e produtor musical – tendo no seu currículo artistas como Michael Jackson, Gloria Estefan, Whitney Houston e Will Smith – Quincy após ter lido o livro de Alice decidiu que iria fazer do romance um grande filme. É ele o responsável pela contratação de Steven e de Oprah Winfrey (que trabalhava na televisão e era admiradora incondicional do romance. Anos depois ela foi a responsável por levar o romance – agora com outro roteiro, para os teatros), além das belas composições feitas especialmente para o filme. E o curioso é que só depois do filme pronto e de todo o stress causado por ele, inclusive o fim do seu casamento por conta que o produtor não estava dando a devida atenção a sua esposa e filhos, que Quincy lembrou de fazer a trilha. Mas Jones acabou entregando uma das melhores trilhas sonoras de todos os tempos, destaque para as inesquecíveis “Miss Celie’s Blues” e “My Heart”, disponíveis em um cd duplo que além de te fazer reviver o filme traz o mundo negro mais juntinho do espectador.
Adoro A Cor Púrpura. Tanto o livro, quanto o filme e a trilha também. Produtos diferentes de uma mesma raiz, o pensamento da maravilhosa autora Alice Walker. Vi o filme inúmeras vezes, a primeira inesquecível me emocionando e acompanhando cada cena sem piscar os olhos. O livro li em três dias, uma experiência infinita, descobri personagens novos, sofrimentos meus que os

personagens colocavam a tona e eu achando que não eram sofridos por mais ninguém neste mundo... a trilha um fenômeno. Pequenas canções que possibilitam uma grandiosa viagem. E no final da experiências, Alice Walker ensinou-me que apesar do racismo e de todo o sofrimento que o povo negro passa existe redenção. E é pela fé em Deus que Celie consegue a sua redenção.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

FILHAS DO VENTO: SÍMBOLO DA HIPOCRISIA NACIONAL.

Direto ao ponto, sem embromações: considero FILHAS DO VENTO um dos piores filmes já feitos. Não do cinema nacional, pois “cinema nacional” não é gênero, cinema nacional produz filmes de ação, comédias, aventuras, filmes políticos, filmes pipoca, policiais e dramas. E como drama, este FILHAS DO VENTO é um filme muito mal feito.
Quando o filme chegou aos cinemas chegou cheio de expectativas. Dirigido por Joel Zito, do excelente documentário A NEGAÇÃO DO BRASIL (que também tem uma verso literária muito boa) e do impressionante curta VISTA MINHA PELE e interpretado por nomes como Ruth de Souza, Milton Gonçalves, Rocco Pitanga, Thalma de Freitas e Thais Araújo, FILHAS DO VENTO era o filme que todo mundo queria ver. Seja por curiosidade de ver o primeiro filme com elenco principal inteiramente negro, seja por conta do filme poder desatar os nós de um “racismo cinematográfico” à brasileira ou por medo de Joel Zito ser um Spike Lee tupiniquim entregando ao público o primeiro exemplar de um cinema negro autenticamente brasileiro. O desejo era ver um exemplar de COR PÚRPURA e o resultado na tela era anos luz do filme produzido por Quincy Jones.

Primeiro porque a historia do filme, a cerca de duas irmãs que se desentendem na juventude e são obrigadas a resolverem os problemas do passado com o enterro do patriarca da família, é gigante e recheada de clichês। O roteiro se auto explica a todo momento e o espectador recebe o filme todo mastigado. Em algumas partes chega parecer novela, com um texto que excede em suas explicações por conta do tempo da trama, a quantidade dos personagens e a memória curta do espectador... Aliás, nem nossas novelas são mais assim...

Uma outra coisa que incomoda é a vontade de Joel Zito agradar os membros do Movimento Negro, melhor especificando o Movimento Negro Acadêmico। Ver Ruth de Souza, símbolo vivo do TEM – Teatro Experimental do Negro – soltando frases que parecem ter saído d dissertação de mestrado do momento é de doer à alma। O roteiro é cheio de frases de efeito e de um denuncismo que no final das contas serve somente para aumentar a duração do filme। Ruth de Souza em seu primeiro papel principal merecia um roteiro mais rebuscado।
Mesmo cheio de defeitos, FILHAS DO VENTO chegou aos cinemas e foi até o festival de Gramado, onde foi alvo de uma grande polêmica। O critico de cinema Rubens Eduard Filho disse que o júri estava tentando ser politicamente correto com FILHAS DO VENTO, pois tratava-se de uma película negra e ninguém queria ser taxado de racista por virar as costas para o filme। Daí começou a confusão e os atores ameaçaram entregar os prêmios se estes foram entregues por pena dos jurados. Tudo no final foi resolvido e nossa querida hipocrisia continuou no mesmo lugar. Somente uma coisa não tinha mudado: FILHAS DO VENTO ainda continuava ruim de doer!

Lembro como se fosse hoje, na estréia do filme em Salvador, da apresentadora do programa SOTEROPOLIS ter perguntado ao diretor Zito o porque de um filme somente com atores negros? Ele disse que seu filme não possui somente atores negros – Jonas Bloch está nele - mas que era um filme inteiramente protagonizado por negros. A apresentadora tapada com certeza não assistiu ao filme, nem se deu ao trabalho de verificar ficha técnica do mesmo antes de fazer a entrevista... Mas o que quero ressaltar com este caso é que mesmo ruim FILHAS DO VENTO incomoda. Acho que não pelo elenco ser negro, j´que produtos como CIDADE DE DEUS, ORFEU, XICA DA SILVA, CIDADE DOS HOMENS, também tem personagens principais negros, mas o diferencial aqui é que diretor e equipe também são negros. Isso sim incomoda.

Zezé Motta disse uma certa vez, que para mudar o quadro racista que existe na mídia não só o elenco teria de mudar, ms diretores, roteiristas, produtores (compromissados!) teriam de aparecer, pois são eles quem mandam na produção de um filme. Ou seja, que tem verba faz o verbo! Em AS FILHAS DO VENTO foi a primeira vez que negros tiveram espaço para falar de si mesmos, sem rodeios e intermediários. Mas infelizmente o filme não era lá grande coisa...
A mão hipocrisia estava em revistas e sites especializados em cinema. Criticas que não sabiam para que lado ir preferiam ser politicamente óbvias ter o atestado de “racista”. Estava estampado a idéia de que o filme não era bom, mas frases como “o primeiro filme nacional inteiramente negro” estavam lá para preencher espaço
Assisti a FILHAS DO VENTO depois de toda esta balburdia e polêmica em torno do filme। Não esperava um A COR PÚRPURA ou um A BEM AMADA, nada disso. Sei que cinema feito no Brasil é diferente e o racismo daqui é totalmente dispare de qualquer parte do mundo. Esperava o mínimo: uma produção cuidadosa (isso não quer dizer com grande orçamento!!!), com texto bom, que não fosse milimetricamente construída para agradar movimento social algum, um filme que fosse direto... Ainda não foi dessa vez, quem sabe na próxima...